Política

Dilma Rousseff, o retorno

Dilma Rousseff, o retorno

Era Rio Grande do Sul, depois Ceará. Mas a ex-presidente deve sair candidata ao Senado é mesmo por Minas

SÉRGIO ROXO
18/06/2018 - 08h02 - Atualizado 19/06/2018 13h11
A ex-presidente Dilma no lançamento da candidatura do ex-presidente Lula à Presidência, em Contagem, Minas Gerais. Depois de quase 50 anos fora, Dilma mudou seu título eleitoral para Belo Horizonte para ser candidata ao Senado pelo estado em que nasceu (Foto: DOUGLAS MAGNO/AFP)

Ainda atordoado com a negativa do habeas corpus na noite anterior pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que enterrava suas últimas esperanças de escapar da prisão, o ex-presidente Lula ligou para o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel. “A Dilma vai ser candidata em Minas mesmo”, disse. A ordem de Lula não agradou a Pimentel, mas as determinações do chefe não costumam ser desobedecidas no PT. Logo depois de desligar o telefone, Pimentel acionou seus aliados na Assembleia Legislativa e mandou que se “preparassem para a guerra”. Sabia que a entrada de Dilma faria desmoronar as alianças que vinham sendo combinadas para sua reeleição, especialmente com o MDB. Bem ao estilo mineiro, ele optou por deixar o jogo rolar. “Não vamos fazer nada. Eles vão saber pelos jornais”, disse.

Cuidar do destino de sua sucessora, apontada por muitos como responsável pelo calvário do partido nos últimos anos, foi a última atividade de Lula em liberdade naquela quinta-feira 5 de abril. A notícia e a própria Dilma chegaram a Minas na manhã seguinte. Depois de acompanhar Lula no período em que ficou entrincheirado no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Dilma pegou um avião para sacramentar a transferência de seu domicílio eleitoral de Porto Alegre para Belo Horizonte.

O PT tentou dar certa pompa ao ato. Mobilizou militantes para irem à sede do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), mas nem tudo saiu como esperado. Na hora de apresentar a papelada, os petistas descobriram que Dilma tinha uma dívida de R$ 25 mil referente a uma multa por propaganda eleitoral antecipada na disputa de 2014. Parlamentares e dirigentes fizeram uma espécie de vaquinha às pressas. Como havia correção, o valor aumentou para R$ 25.922,18. “Foi uma correria danada. Todo mundo indo ao caixa eletrônico. Um deu R$ 1.000, o outro R$ 500, até conseguirmos tudo”, contou um deputado estadual. O débito foi quitado em espécie no dia 6 de abril. Os que contribuíram com a vaquinha foram reembolsados pela diretório nacional do partido.

Está combinado que Dilma Rousseff, a ex-presidente que deixou o poder pelo impeachment em 2016, será candidata do PT ao Senado por Minas. Nas pesquisas ela surge como favorita a uma das duas vagas em disputa. Em abril, o partido encomendou uma sondagem que animou — Dilma liderava com 27%, bem à frente do tucano Aécio Neves, que nem sabe se será candidato. De lá para cá, o partido repete as pesquisas, que confirmam o desempenho da ex-presidente, que deixou o cargo com níveis de desaprovação altíssimos há dois anos.

A volta de Dilma a Minas repete um expediente usado em 1990 pelo ex-presidente José Sarney. Às vésperas de deixar o poder, menos impopular apenas que Michel Temer hoje, Sarney transferiu seu domicílio eleitoral do Maranhão para o Amapá, para eleger-se senador. Foi representante do estado até 2014. Dilma não vive em Minas há 48 anos. No dia 11 de março de 1969, à frente de um Inquérito Policial Militar que investigava um grupo da esquerda armada chamado Colina, o então coronel Octávio de Medeiros autorizou uma operação de busca e apreensão no apartamento do Condomínio Solar, na Avenida João Pinheiro. Os militares só encontraram papéis. Os moradores, os militantes Dilma Rousseff e seu então marido, Cláudio Galeno, haviam fugido pouco antes. Dilma não voltou a morar em Minas. Viveu na clandestinidade em São Paulo, onde foi presa, depois se radicou em Porto Alegre, de onde só saiu em 2003, para assumir um ministério em Brasília.

Em um evento recente, em Contagem, ela foi recebida com o coro: “Uai, uai, que coisa boa, Minas vai ter Dilma senadora”

Mesmo tendo tentado sempre exaltar suas raízes, a ponto de forçar o sotaque do estado nas campanhas eleitorais, Dilma se distanciou de Minas. Em 2014, quando seguia a dieta do médico argentino Máximo Ravenna, proibiu que se servisse — pecado mortal em Minas! — pão de queijo nos lanches no Palácio do Planalto. Bem diferente dos políticos mineiros, que preferem as curvas e as esquivas, Dilma sempre preferiu o confronto e a franqueza arrebatadores. Deu no que deu.

Mas, ao contrário de Sarney, que pouco sabia do Amapá, Dilma tem afinidades com Minas. Sua mãe, Dilma Jane, de 94 anos, vive num apartamento em Belo Horizonte. Foi esse o endereço que a ex-presidente declarou à Justiça Eleitoral como seu domicílio. A família também possui uma casa na região da Lagoa da Pampulha. A ideia a partir de agora é se fixar na capital mineira, tanto que uma assessora que a atendia em Porto Alegre já foi dispensada.

Eleitor com a máscara de Lula. Articulação do petista em defesa de Dilma foi a última antes da prisão do ex-presidente (Foto: DOUGLAS MAGNO/AFP)

Que destino dar a Dilma é um drama do PT desde 2016. O então presidente da legenda, Rui Falcão, tentou indicá-la para a presidência da Fundação Perseu Abramo, braço acadêmico do partido. Mas outras lideranças barraram a ideia. Tempos depois, Dilma ganhou o cargo de superintendente de relações institucionais da entidade, com salário de R$ 17.596, que se soma à aposentadoria que recebe, de R$ 5.600. Sua função é representar a Perseu Abramo pelo mundo.

Antes de Minas, o PT pensou em lançar Dilma pelo Rio Grande do Sul. Não deu. O ex-governador Cid Gomes (PDT), irmão do pré-candidato Ciro Gomes, articulou junto a Lula para que ela se mudasse para o Ceará. O plano de Cid era que a candidatura de Dilma aniquilasse a do presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB). Nas pesquisas internas, Dilma atingia até 60% das intenções de voto. O PT chegou a alugar uma casa em Fortaleza, para Dilma transferir seu domicílio eleitoral.

A operação foi abortada por Lula, que não quis abrir guerra contra Eunício, um dos líderes do MDB e que sempre esteve a seu lado. Dilma também afirmou que não se sentiria confortável em se mudar para um estado onde não possui raízes e estar numa chapa tão ligada a Ciro, que vive dizendo que a ex-presidente “não é do ramo”. Foi ao comunicar a decisão de mandar a ex-presidente para Minas, em uma reunião em seu instituto com Cid e o governador do Ceará, Camilo Santana (PT), na tarde de 5 de abril, que Lula recebeu a notícia de que Moro havia decretado sua prisão.

Exatamente 20 dias depois da entrada de Dilma no jogo, o governador Fernando Pimentel, seu amigo desde os tempos da luta armada, começou a sentir os efeitos da decisão de Lula. O presidente da Assembleia Legislativa, deputado Adalclever Lopes, botou para andar um processo de impeachment contra Pimentel. Filho do deputado Mauro Lopes, que foi ministro da Aviação Civil de Dilma até a véspera de sua queda — praticamente saiu do Planalto para votar pela queda da chefe na Câmara horas depois -, Adalclever trabalhava para ser candidato ao Senado na chapa de Pimentel. Perdeu o lugar. O pedido de impeachment contra Pimentel não tinha como base nenhuma das inúmeras denúncias de irregularidades que envolvem o governador, e sim o atraso no repasse do duodécimo (quantia mensal para bancar as despesas do Legislativo mineiro). No dia 2 de maio, o pedido estacionou.

Para Pimentel, a chegada de Dilma causou problemas no início, mas lhe deu força política para não ficar refém do MDB. O deputado estadual Iran Barbosa (MDB) afirmou que a chegada de Dilma a Minas faz parte de um processo de chantagem movido pelo governo mineiro para forçar a aprovação da venda de 49% de ações da Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig), medida que poderia ajudar as finanças do estado. “A filiação da Dilma foi o último ato público de chantagem contra o presidente da Casa. Eles dizem: ‘Se você não colocar a Codemig em pauta, nós vamos colocar Dilma em seu lugar’”, disse. A chegada da ex-presidente também afastou o PCdoB da aliança petista — a deputada federal Jô Moraes (MG) pretendia concorrer ao Senado. O bom desempenho de Dilma tem feito com que aliados brinquem com Pimentel, ameaçado em sua reeleição, sugerindo que Dilma tome seu lugar. Ele responde com um sorriso constrangido.

Apesar do rebuliço, Dilma ainda não confirmou oficialmente sua candidatura. Alguns petistas sonham vê-la candidata a deputada federal, porque puxaria votos suficientes para eleger uma bancada grande. Mas ela avisou que só topa o Senado, que é lugar de ex-presidente. Três de cinco de seus antecessores — José Sarney, Fernando Collor e Itamar Franco — continuaram a carreira no tapete azul do Senado.

No último dia 8, Dilma esteve no evento que o PT organizou na cidade mineira de Contagem para lançar a pré-candidatura de Lula. Ao entrar numa sala para um encontro com mulheres, foi saudada com o grito: “Uai, uai, que coisa boa, Minas Gerais vai ter Dilma senadora”. Ao discursar, a presidente do PT de Minas, Cida de Jesus, tratou a candidatura como certa. Dilma respondeu com um sorriso contido. Até agora, diz “estar se guardando para quando o Carnaval chegar”. Já à noite, no ato para Lula, também foram feitos apelos pela candidatura. O discurso da ex-presidente foi cortado da programação. As falas de Dilma, em geral prolixas e confusas, sempre foram motivo de constrangimento em eventos do PT. Coube a Dilma apenas ler a mensagem que Lula havia escrito da cadeia.








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