• Leonardo Ávila Teixeira
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O e-Palette da Toyota é um carro autônomo para todo tipo de tarefa (Foto: Alex Wong/Getty Images)

O e-Palette da Toyota é um carro autônomo para todo tipo de tarefa (Foto: Alex Wong/Getty Images)

Basta olhar para o e-Palette, veículo anunciado pela Toyota e que é sua aposta para um futuro sem motoristas humanos, para sacar um problema ao redor dos carros autônomos exibidos na CES deste ano em Las Vegas e que já fazem a cabeça de cientistas e legisladores pelo mundo: para aqueles que colecionam pôsteres de Porsches 911 desde moleque, esse pode ser um papo meio... sem sal.

O e-Palette é uma espécie de van cúbica cercada de vidro sem faróis arrojados ou uma silhueta elegante – nada da agressividade de um Mustang, mas também nada da adorabilidade exagerada de um Chery. Faz sentido, claro: é uma máquina modular, feita para todo tipo de tarefa. O e-Palette pode ser uma solução para transporte compartilhado, veículo de carga ou para substituir ônibus ou bondes. Seus painéis de vidro são displays eletrônicos e exibem informações que podem ser customizadas pelo usuário (exibindo desde a marca de uma transportadora até as linhas de um ônibus ou o letreiro de um táxi). Mas é difícil se apaixonar por um.

Em Las Vegas, a Ford sequer chegou a tocar no carro em si. Seu plano de longo prazo é criar ferramentas e plataformas unificadas que facilitem a criação de aplicações digitais para coisas como malha de transporte público, faróis e estacionamentos, pequenos detalhes que ajudem a criar cidades inteligentes que “conversem” com seu veículo e que sejam capazes de lidar com dados saindo de todo tipo de órgão público. “Sentir a estrada” vai ser coisa para a inteligência artificial, não mais para o motorista.

E, fora da feira, a GM nos deu o primeiro panorama de sua nova geração de carros autônomos. O Cruiser AV (acima) é o primeiro modelo da marca a se livrar de volante, câmbio, pedais e retrovisores, deixando todas as tarefas, inclusive as emergenciais, para o sistema inteligente do veículo. O fato da única coisa a se manter intacta no painel ser um porta-copo é sal na ferida para fãs da direção. Melhor mesmo é passar o tempo com uma soneca ou um bom livro (podemos te ajudar nisso!).

De item funcional a sonho de consumo

O dia em que você vai pegar uma carona movida à IA para comprar croissants ainda vai demorar, porque muito precisa ser decidido. Engenheiros e programadores precisam acertar alguns dilemas complicados: como o veículo vai solucionar situações em que passageiro e pedestre podem se ferir, como dividir as ruas com outros motoristas humanos e que infraestrutura vai garantir condições de segurança e trânsito em grandes cidades. Governos, que ainda trabalham com sugestões de órgãos públicos, fabricantes e ONGs, precisam definir leis concretas sobre o tema ao redor do mundo. No meio desse debate, carros autônomos são só isso: ferramentas, itens utilitários a serviço de um futuro mais sustentável e conectado, e não sonhos de consumo ou ícones de luxo.

E isso é ok, ótimo na verdade. Mas esbarra em uma outra questão importante para o futuro da tecnologia: as pessoas têm que estar a fim da ideia.

O ator Neil Patrick Harris e o diretor de engenharia Ron Szabo, da Aptiv, conferem um dos sensores que fazem parte do sistema do táxi autônomo da Lyft (Foto: Bryan Steffy/Getty Images)

O ator Neil Patrick Harris e o diretor de engenharia Ron Szabo, da Aptiv, conferem um dos sensores que fazem parte do sistema do táxi autônomo da Lyft (Foto: Bryan Steffy/Getty Images)

A aceitação pública a respeito do tema ainda é tema espinhoso. Os dados mais recentes nos EUA e Alemanha sugerem que 55% do público não deseja um passeio em um veículo autônomo (embora 70% toparia um rolê em um modelo semi-autônomo, que é capaz de dirigir sozinho, mas dá ao motorista a chance de tomar o volante).

Mas pega essa: durante a CES, a Lyft ofereceu corridas realizadas por um carro que se dirige sozinho para visitantes da feira. Um motorista acompanhava o teste o tempo todo, mas raramente pôs a mão no volante. Em 400 corridas realizadas durante a semana (99% do tempo totalmente sob controle da IA) o carrinho inteligente recebeu uma média de 4,997 estrelas do público. O teste era um pouquinho mais controlado que uma situação real, com apenas 20 destinos possíveis, e a ética de se ranquear um taxista robô ainda tem que ser estudada, claro. Mas sugere que, no fim das contas, o assunto não é um bicho de sete cabeças.

Do ar para as estradas

Você não precisava estar em Las Vegas pegando caronas esquisitas para concordar com isso. Afinal, você já convive com um veículo praticamente autônomo por boa parte de sua vida: o avião comercial. No ar, uma aeronave com mais de 20 assentos é praticamente toda controlada por sistemas automáticos, com pouquíssimo envolvimento do piloto, que assume o manche apenas para a decolagem, pouso e taxiamento. Isso é uma realidade basicamente desde 1920, resultando em um dos meios de transporte mais seguros do mundo – e que continua ficando mais e mais infalível.

Mesmo que o problema de viagens seguras em aviões tenha sido praticamente solucionado há muito tempo, algumas empresas aéreas ainda vêem a experiência do passageiro como essencial para o futuro. É o caso da Airbus, que vem testando um sistema modular que transforma aviões em enormes centrais multifunção. São versões de bordo de créches, espaços de coworking, academias e até bares, que podem ser encaixados ou desencaixados como "blocos" dentro da fuselagem a cada nova viagem.

Se o futuro do carro envolve eliminar o volante e as projeções de especialistas sugerem passeios de no máximo 40km/h, há realmente pouco espaço para emoção. Talvez quem tenha acertado este ano foi a Panasonic, que, como o plano da Airbus e da Toyota, aposta em customização. A iluminação ambiente de seu protótipo pode ser ajustada de acordo com o passageiro e as janelas são touchscreen que dão acesso a fotos, vídeos e outras coisas. Dá até para programar uma paisagem virtual para curtir pela janela. É uma saída interessante? Talvez. Mas apostamos que veremos ideias mais e mais interessantes sobre como tornar carros autônomos legais. A essa altura, já é questão de necessidade.

O carro autônomo foi apenas uma das ideias sendo exibidas na CES 2018, e não foi das mais malucas. Que tal carros dirigidos apenas pela mente? A edição de fevereiro da GQ traz uma matéria especial sobre eles que você precisa ler.