• Pedro Henrique França
Atualizado em
Diogo Moncorvo, o Baco Exu do Blues (Foto: Divulgação)

Diogo Moncorvo, o Baco Exu do Blues (Foto: Divulgação)

Poucos nomes foram tão exaltados em 2017 como o de Diogo Moncorvo, rapaz de 22 anos recém-completados que atende artisticamente por Baco Exu do Blues. Foi quase, em proporções menores, uma febre "Vai Malandra". De repente, em todas as festas e rodas ouviam-se os versos "Bebendo vinho, quebrando as taça / Fudendo por toda casa / Se eu divido o maço, te amo disgraça".

O vídeo, sem clipe, está à beira de alcançar a marca das seis milhões de visualizações no YouTube, número parecido com os players no Spotify. Presença nos principais festivais e uma das atrações do carnaval de Salvador, em trio com Emicida e Larissa Luz, ele é o nome da vez do rap. "É muito bom ver tudo isso, mas assusta um pouco", diz Diogo, o Baco.

O próprio nome - uma junção de Deus do vinho, o Baco, com o orixá Exu, que afirma sua ligação com as religiões afros, e o gênero blues, de raiz negra - já chama atenção. Mas para além do nome, a figura jovem de forte presença de palco e contunde discurso e o disco,
Esú, formam um pacote de novidades que está reinventando o hip hop brasileiro.

A letra da música "Te Amo Disgraça" - escrita assim mesmo, com i, como se diz popularmente e recorrentemente na Bahia, seu estado de origem - impressionou a crítica e, ao mesmo tempo, conectou o público diretamente pela crueza e verdade com que fala de uma história de amor.

Apresentadora dos programas Cultura Livre, da TV Cultura, e do Som a Pino, na rádio Eldorado, Roberta Martinelli afirma que o rapper está em todas as playlists "quebrando tudo e provocando". "A música, um rap de  amor não romântico ou romântico sim, por quê não?, fala de um casal que bebe vinhos, quebra taças e fode por toda casa. É um rap que poderia ser um hit sertanejo até", diz.

Baco Exu do Blues (Foto: Mavi Morais)

Baco Exu do Blues (Foto: Mavi Morais)

"Te Amo Disgraça" é uma das letras do inovador álbum Esú, lançado ano passado e que revela uma força e um novo modo de fazer e cantar o rap. Sua poesia crua e dura se verifica em outras letras, como a vigorosa "En Tu Mira" ("Por que você fala tanto de Deus / É porque sou um mano (...) / O deus que habita em mim, eu tô libertando / O flash está me cegando / O álcool está me matando / Minha raiva está me matando / Sua expectativa em mim, está me matando / Homem não chora / Foda-se, eu tô chorando!".

O crítico musical Mauro Ferreira afirmou, em seu blog no G1, que Esú "é um marco na história do hip hop brasileiro, tanto quanto foi há 20 anos 'Sobrevivendo no Inferno', dos Racionais MC's". "Álbum que revigora o rap com letras de vigorosa poesia calcada na crueza da vida e com batidas criadas fora da cartilha do gênero, "Esú" gravita em torno de um universo corroído pela desesperança, mas transita por esse mundo marginalizado com sinceridade e alguma autoestima, mas sem recorrer ao usual discurso de autoajuda", observou em sua crítica.

Baco sabe do peso e da proporção que a carreira tomou. E no momento só se preocupa em manter as coisas como estão - de olho em mais. "A ficha caiu. Agora, a conquista é muito legal e divertida, mas temos a responsabilidade de continuar", pondera. Para ele, o sucesso de "Te Amo Disgraça", que puxa as demais canções, está na já dita verdade dos fatos. É, sim, uma música autobiográfica, que busca desmistificar as tradicionais canções românticas.

"Ela fala a verdade do bagulho, do relacionamento. É o amor verdadeiro que os dois vão lutar um pelo outro e vão estar juntos em qualquer tipo de situação. Onde existe briga e existe paz, em que ninguém é indefeso nem super-herói. A maioria das músicas de amor se baseiam em três cantigas: a do herói apaixonado, o do rejeitado ou o da donzela em perigo. 'Te Amo Disgraça' sai desse tipo de música, que é fake", avalia.

Letícia Novaes (ou Letrux), outro nome muito (e com justiça) falado em 2017 por seu álbum Letrux em Noite de Climão, gostou tanto que incluiu um trecho da canção em seu show. "Foi um trabalho que me laçou de forma muito envolvente. Tem espiritualidade, mas tem humor, tem tesão. Acho foda demais. E ele é tão novo e tão intenso. É um fenômeno", diz ela.

Letrux e Baco Exu do Blues são atrações da terceira edição do Guaiamum Treloso Rural, espécie de prévia carnavalesca que acontece hoje no Recife e  se transformou num verdadeiro festival, com um line-up que reúne ainda nomes como Nação Zumbi, Elza Soares, Cidadão Instigado e Francisco, El Hombre (outra revelação do ano
passado com apresentações catárticas).

Filho de Salvador da Bahia, Baco é mais um artista da terra - na esteira de outros como Afrocidade, Àttooxxá, BaianaSystem e Larissa Luz -, que corre por fora da afamada cena da axé music, que hoje vive uma crise profunda. "Existiu uma transformação do tempo", avalia Baco. "Há um tempo as pessoas viam o axé como concorrência, hoje é influência. Eu acho que essa nova safra da música é uma resposta da própria cidade". 

Baco chamou atenção pela primeira vez em 2016 quando lançou o single "Sulicídio" em parceria com o MC pernambucano Diomedes Chinaski, que já circulara bastante na internet naquele ano. Mais uma vez muito pela poesia crua em que transformou a sua revolta com o preconceito com os nordestinos.

Diz a letra: "Sem amor pelos rappers do Rio / Nem paixão por vocês de São Paulo / Vou matar todos a sangue frio / E eu tenho caixão pra caralho / Minha lírica, cítrica, implica e complica e aplica". "É um grito de 'escute o Nordeste'. Esse preconceito com os nordestinos vem de todos os lados, inclusive na música", aponta Baco.

Ele relata que a primeira vez que foi a São Paulo, sentiu isso na pele com as piadinhas que advinham ao primeiro sinal de sotaque. Algo, diz, que muda quando você se torna conhecido. "Aí as pessoas passam a ter medo de você".

Negro, Baco sofreu preconceito duplo. "O racismo só vai mudar quando os pretos afrontarem isso. É aquela história: nunca deixe uma pessoa que levantou a mão pra você levantar pra mais alguém. As pessoas tentam mascarar o racismo, fingir que não são racistas, com aquela história de 'eu tenho um amigo preto'. Ter uma pessoa negra no seu círculo social não faz de você uma pessoa não racista", sublinha.

Em meio a uma intensa estrada, Baco prepara um novo disco que deve sair até o início de 2019. Serão dez canções, todas com participações, sendo apenas "duas ou três" de nomes do rap. Singles e videoclipes ainda vão sair antes disso. "Tem todo um tempo para acontecer", despista. Ele que não se preocupe tanto, observa a apresentadora e radialista Roberta Martinelli. "Se em 'Sulicídio' ele queria chamar atenção para o rap feito no Nordeste, ele pode ficar tranquilo. A atenção está com ele".