Por Gian Dias e Monique Oliveira, TV Globo e G1 — São Paulo


Fila de pessoas esperando para serem vacinadas contra a febre amarela em 1938 — Foto: Acervo Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz

As filas, os casos e as mortes por febre amarela estão longe de ser um problema dos dias atuais. O Brasil convive há séculos com a doença: o primeiro caso do qual se tem conhecimento ocorreu em Pernambuco, no ano de 1685, com um surto de 10 anos.

Na mesma década, a doença chegou à Bahia: o número de doentes foi calculado em 25 mil e o de mortos, em 900.

O frei Diego Lopez de Cogolludo foi um dos primeiros a fazer um relato detalhado da doença no Brasil. No trecho abaixo, ele descreve a remissão da doença.

“Na maioria, no terceiro dia, a febre parecia ceder totalmente; diziam que já não sentiam dor alguma, cessava o delírio, conversavam com juízo, porém não podiam comer nem beber coisa alguma, e assim duravam outro ou outros dias e, dizendo que estavam bons, expiravam”.

A primeira necropsia de morte por febre amarela também é do século XVII. Realizada em 1692, em alto mar, ficou registrada a "podridão no fígado" -- em consonância com a hepatite, um dos sintomas graves da doença hoje conhecidos.

O que sabemos hoje sobre a febre amarela -- o seu ciclo urbano, e o silvestre -- e o fato de ela ser transmitida por mosquito também é uma conquista histórica: antigamente, havia um debate sobre se a febre amarela era transmitida entre pessoas e havia intensas campanhas de higienização na tentativa de controlar a transmissão.

Mapa demonstrando a disseminação da febre amarela no sul do Brasil entre 1932 e 1942 — Foto: Acervo Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz

Também houve quem acreditasse que a doença surgia por "geração espontânea" no Brasil nos navios que chevam aqui. Faziam-se queimadas com ervas para tentar prevenir a doença.

"As casas em que tivesse havido mortos seriam caiadas de nôvo, lançando-se ao mesmo tempo cal virgem pelo chão e água por cima e, à noite, de portas fechadas, queimar-se-iam defumadores, sob pena de multa de dez tostões, dobradas nas reincidências", relata o historiador Odair Franco, em livro sobre a história da febre amarela, em 1969.

Entre os tratamentos, estavam as sangrias, que tinham várias aplicações na época, mas também foram usadas para a febre amarela.

Depois desse primeiro surto no século XVII, a doença ficou "desaparecida" por 150 anos, quando fez um retorno em meados de 1850. Foi nessa época, com os estudos do médico Carlos Finlay, que se chegou à constatação de que havia um mosquito no ciclo de transmissão da doença. Mas o percurso não foi fácil até aqui.

“Casa do amarelento Joaquim Custódio da Silva” – Fazenda Salto Alegre, São Paulo visita de guarda sanitário a casa de doente — Foto: Acervo Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz

Procedimento de sangria humana (Manual de Vacina Anti-Amarílica) , em foto sem data — Foto: Acervo Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz

A descoberta de que o mosquito fazia parte da transmissão

Um relatório foi apresentado em Congresso Pan-Americano em Cuba, no final do século XIX, em que foi divulgado que o pernilongo do gênero culex seria um dos vetores e que "a propagação da febre amarela pode ser eficazmente reduzida pelos meios destinados à destruição do mosquito e à proteção dos enfermos contra a picada deste".

Em 1901, o famoso médico brasileiro Emílio Ribas, então Diretor do Serviço Sanitário, escreveu o primeiro trabalho sobre o assunto no Brasil: ''O mosquito considerado como agente da propagação da febre amarela" descrevia, ainda, ser preciso "evitar águas estagnadas".

Também o bacterologista Oswaldo Cruz, que hoje dà nome à instituição que produz vacina da febre amarela e produz estudos importantes sobre doenças, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), colocou em curso importantes ações para a prevenção da doença.

Dentre o combate ao vetor causador, as ações incluíam multas a propriedades "insalubres" , com indicações para demolições ou reforma.

Fotografia dos "mata-mosquitos paulistas” — Foto: Acervo Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz

O macaco no ciclo de transmissão

Em 1927, na África Ocidental Francesa, pesquisadores da Fundação Rockefeller provaram que o Macacus rhesus é suscetível à febre amarela. Com isso, chegaram à hipótese de que a infecção foi transmitida do homem ao macaco e do macaco ao homem por meio da picada de mosquitos alimentados em animais ou humanos doentes.

Durante muito tempo, a febre amarela era considerada uma doença urbana. A primeira forma silvestre foi identificada em 1898, no interior de São Paulo, por Adolpho Lutz.

Nos anos 30, essa forma da doença apareceu na Bahia, Amazonas, Pará, Mato Grosso e depois em Goiás, Minas Gerais e em São Paulo. E 1938, ficou demonstrado que os mosquitos silvestres Haemagogus e o Aedes leucocelaenus também eram vetores.

Brigada de combate ao mosquito, do Serviço de Profilaxia da Febre Amarela, em 1905 — Foto: Acervo Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz

A chegada da vacina

A primeira tentativa de vacina foi feita com a Fundação Rockefeller nos anos 1920, no Equador. O bacteriologista japonês Hideyo Noguchi fez o imunizante com base no fato de que a doença fosse causada por uma bactéria. Os estudos não vingaram, entretanto.

Mais tarde, cientistas do Instituto Pasteur desenvolveram uma vacina conjunta para imunizar contra a febre amarela e varíola, mas efeitos colaterais eram um problema para o uso expandido.

A fundação Rockfeller também testou versões do vírus atenuada, mas que dependiam de soro humano, não disponível.

Só em 1937 uma mutação em uma das cepas possibilitou a produção de um vírus atenuado. Em testes no Brasil, estima-se que um milhão de pessoas foram vacinadas até 1939, sem complicações.

Produção da vacina contra febre amarela na primeira metade do século XX ; ovos são usados ainda hoje na fabricação de imunizantes — Foto: Acervo Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz

Também foi com o dinheiro de Rockefeller que, na década de 1940, montou-se o laboratório para fabricar a vacina contra febre amarela. É o laboratório de Biomanguinhos, na Fiocruz, que produz a vacina até hoje.

Com a chegada da vacina, o último ciclo urbano da doença ocorreu em 1942, com o Brasil enfrentando alguns surtos de febre amarela silvestre desde então.

Segundo o Ministério da Saúde, no período de 1980 a 2004, foram confirmados 662 casos de febre amarela silvestre, com ocorrência de 339 óbitos, representando uma taxa de letalidade de 51% no período.

Com a chegada do Aedes Aegypti em áreas urbanas nos anos 1970, campanhas constantes de imunização e ações para conter a transmissão têm sido realizadas para que o período mais sombrio da febre amarela, com mais óbitos, não retorne.

Imagens da produção da vacina contra febre amarela na primeira metade do século XX ; ovos fecundados são usados ainda hoje no processo de fabricação de imunizantes — Foto: Acervo Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz

As informações são da Fiocruz, Ministério da Saúde, Departamento de Educação da Universidade Estadual Paulista (Unesp), "História da Febre Amarela no Brasil", obra do Dr. Odair Franco, de 1969; e "Febre Amarela: a doença e a vacina, uma história inacabada", obra com coordenação do historiador Jaime Larry Benchimol (Editora Fiocruz). As imagens foram cedidas pelo Acervo Casa de Oswaldo Cruz.

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