Por que um dos maiores lagos do mundo já perdeu 90% de sua água em 4 décadas

Vista aérea do lago Chade

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Antes de começar a secar, o lago Chade era como uma espécie de mar interno na África

Tratava-se do sexto lago maior do mundo e, nas fotos de satélite, chamava a atenção a intensidade da cor azul que o identificava.

Essa é descrição feita por Mary Harper, editora da BBC África, do passado do hoje agonizante lago Chade, que até o início dos anos 70 era como um mar dentro do continente.

Hoje, o lago compartilhado por Níger, Nigéria, Chade e Camarões é como uma imensa colagem de grandes poças em meio a grandes extensões de terra.

"Os povoados e cidades que antes contornavam a margem agora estão separados por hectares de desertos", diz Harper.

Lago Chad
Legenda da foto, Mapa mostra a mudança no lago Chade entre 1972 e 2001 | Foto: Unep

A razão dessas mudanças geográficas é que o lago Chade perdeu entre 80% e 90% de sua superfície nas últimas quatro décadas.

A essa crise se soma a violência do grupo radical islâmico Boko Haram, que atinge os quatro países que rodeiam o lago.

Nesta semana, representantes dos governos de 12 países e organizações como o Banco Mundial estão reunidos na Conferência Internacional do Lago Chade (ICLC), em Abuja, na Nigéria, para discutir formas de salvá-lo.

Sem água e sem pesca

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O lago era a principal fonte de água do Cinturão do Sahel, uma área de 5 mil km que corta toda a África, indo do oceano Atlântico ao mar Vermelho e que serve de transição entre o deserto do Saara e a savana africana.

Nos anos 60, o lago ocupava uma área de 25 mil km² e tinha 135 espécies de peixes, segundo a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Ciência, a Educação e a Cultura). Mas, nos anos 80, sua superfície foi reduzida a 2,5 mil Km², 10% de seu tamanho original.

Mesmo que em 2013 as chuvas na região tenham registrado um aumento excepcional, sua superfície aumentou apenas 5 mil km², 20% do que já foi, segundo a ICLC.

Um estudo publicado na revista científica Environmental Research Letters em 2011 e entidades como a ONU assinalam que a perda de volume é superior a 90%.

Essa situação afeta cerca de 40 milhões de pessoas que dependem do lago para obter água potável, pescar e cultivar as terras a seu redor.

A seca, dizem os organizadores da ICLC, provocou a perda de pastagens e o início da migração para a savana da Guiné.

Mas quais são as causas dessa situação tão dramática?

Pescadores no Lago Chade

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Lago chegou a ter mais de 130 espécies de peixes; a pescaria é uma das únicas fontes de renda e de alimentação para muitos que vivem perto dele

Uma pergunta, algumas respostas

Não há uma só causa para o desaparecimento do lago.

Ele está sumindo devido ao manejo insustentável da água para o consumo humano e animal e também pela mudança climática.

Um estudo publicado na Environmental Research Letters atribui o desastre à tendência do lago em se dividir em outros menores em certas épocas e à extração de água para a irrigação, o que impede que ele volte a encher totalmente novamente.

A construção de represas para projetos hidrelétricos nos rios que o alimentam também teve efeito devastador. Além disso, a população local diz que a quantidade de chuvas diminuiu muito desde os anos 1970.

Outra das razões da tragédia é uma má aplicação da legislação ambiental, segundo o Banco Mundial.

A Conferência do Chade acrescenta que "os mais de dois milhões de deslocados por causa da insurgência do Boko Haram, que estão reunidos nas margens, aumentam a pressão sobre o lago".

O extremismo e o deslocamento massivo de gente ali têm sido qualificados como a "crise mais ignorada do mundo". A ONU estima que quase 11 milhões de pessoas necessitem de ajuda humanitária por causa desse conflito.

Alertas

Mulher lava prato no lago Chade

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Lago Chade era a principal fonte de água do Cinturão do Sahel, uma área de extensão de 5 mil Km²

Há pelo menos 15 anos as autoridades estão falando sobre a crise do lago Chade.

"É um fato que o lago está em perigo. É verdade que, se não fizermos nada a respeito, ele se transformará em história", disse em 2004 o então presidente da Nigéria, Olusegun Obasanjo.

A Unesco informou que apresentará na ICLC um projeto para "preservar os oásis que restaram e evitar que eles sequem" e para impulsionar atividades econômicas ali, como a produção de uma alga chamada spirulina.

As pessoas que moram ao redor do lago Chade esperam que não seja tarde demais.