• Stephanie Ribeiro
  • Especial para Marie Claire
Atualizado em
O jogador francês Kylian Mbappe, mencionado num dos comentários de Julio Cocielo (Foto: (Photo by Alexander Hassenstein/Getty Images))

O jogador francês Kylian Mbappe, mencionado num dos comentários de Julio Cocielo (Foto: (Photo by Alexander Hassenstein/Getty Images))


Infelizmente, vivemos numa constante fale mal, mas falem de mim, reforçada pelo poder de compartilhamento e visibilidade das redes sociais, em que a quantidade de seguidores e de visualizações falam mais que a qualidade do conteúdo que se divulga. Nesse meio, Julio Cocielo não é o primeiro, nem será o último, “pego no pulo” odiando quem já é socialmente odiado, mas é evidente que ele chama atenção por ser um dos youtubers mais influentes do país. Perceptível que a estrutura favorece que pessoas como Cocielo ganhem não só visibilidade, mas que a revertam facilmente em dinheiro. Cocielo é fruto desse processo, e a suas manifestações RACISTAS nos levam a uma série de questões:

Julio Cocielo: o youtuber apagou milhares de comentários racistas em sua página no Twitter (Foto: Reprodução)

Julio Cocielo: o youtuber apagou milhares de comentários racistas em sua página no Twitter (Foto: Reprodução)

1-  O Pânico na TV  fez a cabeça de vários:
O programa Pânico na TV começou em 2003, e, basicamente, acredita que “fazer humor” é humilhar MULHERES, NEGROS, POBRES em nome da audiência. Cocielo chegou a fazer parte do programa, com um quadro. Logo, é claro que existe uma convergência e que jovens como Cocielo são fruto dessa série de programas que associam de forma errônea humor a mais pura violência. Então, quando vejo o teor das atitudes de alguns youtubers que funcionam para jovens, e suas táticas de humilhação em vídeos em que, por exemplo, é possível ver um deles chamando em meio aos risos seu “assistente” de gordo de forma pejorativa. Penso que o Pânico, alguns chargistas, alguns fóruns e agora youtubers continuam achando que humor e inteligência é oprimir quem já é oprimido e vão sempre educando uma geração de jovens a assumir o pior lado de si em relação aos outros num contexto de desigualdades latentes de gênero, raça e classe.

2 - Redes sociais NÃO BLOQUEIAM discurso de ódio, mas bloqueiam ativistas:
Existe um grande debate nas redes sociais sobre técnicas de silenciamento que suas ferramentas possibilitam, pois muitas ativistas, e me incluo nisso, já foram bloqueadas por dias, meses e até perderam perfis em redes sociais por postarem seus discursos  e serem alvo de grupos de ódio. O fato é que ainda não existe nenhum projeto de proteção dessas pessoas nas redes, assim como não existe um projeto de mapeamento do discursos de personagens como Julio Cocielo que acarrete no bloqueio e até fim de suas contas em redes sociais, dado o teor de seus conteúdos. Infelizmente, pautados numa ideia de liberdade de expressão SELETIVA, jovens como Cocielo não caem em nenhum tipo de repreensão vinda dos espaços que usa para expor seus conteúdos. No caso dele, a repreensão vem do público e não da estrutura. Aparentemente, isso me soa um suporte, mesmo que nas entrelinhas, para condutas como a dele.

3- Marcas patrocinam qualquer um, menos os negros com discurso engajado:
Existe uma série de youtubers com bom conteúdo, bom senso, ética e alguns denunciam a falta de apoio financeiro que recebem. Em um vídeo recente, a youtuber Luci Gonçalves explanou sobre as mazelas que vive, ela que sequer tem uma panela de pressão para cozinhar feijão, entretanto, continua se dedicando a falar de raça, gênero, empoderamento, sexualidade de forma divertida e irreverente. Enquanto isso, o conteúdo um tanto quanto mais do mesmo de Cocielo detinha uma série de patrocínios e envolvimento com marcas como Banco Itaú, Adidas, Coca-Cola, McDonald’s, Submarino etc. Parece que Cocielo tem dinheiro para muita coisa advindo do “seu valor de mercado”, valor esse que perpassa por ser não negro, homem e inclusive falar o que fala. Afinal, as marcas que tem “receio” de apoiar algumas mulheres negras como Luci Gonçalves, por falar de masturbação para mulheres, não fazem o mesmo tipo de pesquisa e têm o mesmo tipo de receio quando se trata dos meninos “bons da colônia”.

4-  Muitas pessoas vão PASSAR PANO e isso inclui grandes mídias:
Rafinha Bastos  saiu em defesa de Cocielo:

Tuíte de Rafinha Bastos em defesa de Julio Cocielo (Foto: reprodução )

Tuíte de Rafinha Bastos em defesa de Julio Cocielo (Foto: reprodução )


Vale lembrar que Rafinha Bastos teve que pagar uma indenização ao comentar que “comeria ela e o bebê”, ao se referir a Wanessa Camargo grávida em plena bancada do programa CQC. Então, diga com quem andas, que te direi quem tu és. Parece um clube do bolinha em que só pode entrar quem não tem empatia, ética e respeito com os outros, em especial com mulheres, negros e LGBTS. Pior que isso, pelo menos para mim, é ver várias mídias amenizando o que é nítido dado o teor das falas de Cocielo chamando tudo de “erro” ou “piada de mau gosto”. Se por questões que envolvem o jurídico eles temem dizer: RACISMO. No mínimo deveriam saber que um eufemismo para essa violência não é chamar de “mal entendido”.

5- Nos pedidos de desculpas a culpa é da vítima e nunca do agressor:
Assim como em vários casos de racismo em que uma pessoa é exposta por sua violência, Cocielo rapidamente escreveu uma carta de desculpas em que lamenta evidentemente a “má interpretação” diante do que disse, e justifica suas outras falas como sendo coisa do “passado”. Essa desculpa é corriqueira para casos que envolvem violência contra minorias, e demonstram uma constante tentativa e falta de reflexão em que o opressor tenta, a todo custo, jogar no oprimido a culpa pela situação que ele próprio causou. Tanto que “nós” entendemos errados e ele pode até ser compreendido como uma vítima da situação, e pela fala de Rafinha Bastos é fato que alguns interpretam assim.

6- A idade sempre será usada como desculpa para ódio:
Assim como José Mayer ao ser confrontado em relação suas condutas assediadoras, e enxergar no fato de ser um homem mais velho a desculpa perfeita para dizer que não entende os “limites”atuais, Cocielo faz uso da ideia de que seus posts eram antigos, dando margem para pensarmos que era fruto de sua imaturidade e juventude. Entretanto, os dois casos que fizeram com que a casa caísse para ambos e para aqueles que de alguma forma admiravam essas figuras, são suas condutas atuais. Cocielo foi “pego no pulo” por um post de sábado passado, em que compara o jogador Kylian Mbappé a um possível ladrão que estaria num arrastão. A ideia que ele corre muito, somada a sua identidade racial, é que configurariam a graça dessa que não é uma piada e sim um “escapulida” do garoto que a algum tempo atrás reclamava por não poder fazer mais “piada” com “preto” e dizer que pretos deveriam ser extintos.
 

Julio Cocielo: alguns dos tuítes racistas publicados pelo youtuber (Foto: Reprodução)

Julio Cocielo: alguns dos tuítes racistas publicados pelo youtuber (Foto: Reprodução)

7- O talento de pessoas negras incomoda:
Vale ressaltar que nas entrelinhas está nítido o incômodo de Cocielo com o talento de Kylian Mbappé. Para muitas pessoas brancas, ver negros em espaços de destaque e sendo reverenciados por seu talento é um gatilho para um sentimento de frustração e controle, em que elas se enxergam seres superiores diante de nós. Cotidianamente, nós negros lidamos com Cocielos usando de comentários ofensivos para “tentar nos pôr em nossos devidos lugares”. Portanto, não podemos deixar de comentar sobre esse incômodo que me parece estar subscrito no que foi postado por ele.

8- Que alguns fingem repudiiar, mas pensam exatamente igual:
Algumas pessoas estão indignadas com Julio Cocielo nas redes sociais, mas continuam tomando cerveja com os “parças” que falam coisas iguais ou piores, não entendendo que a rede de abusos e violência é mantida também pela  inércia de quem no silêncio apoia essas condutas por não serem diretamente ofensivas a si.

9- Que as pessoas negras não podem ficar em paz:
Desde sábado, não consigo mais escutar sobre outra pessoa que não seja Julio Cocielo, esse processo de ler as coisas que ele escreveu me trouxe a evidência de uma série de cicatrizes do passado. Existe um Julio Cocielo na história de toda e qualquer criança, jovem e adulto negro deste país.

10 - Temos uma LEI que tipifica racismo, mas parece que ela é só um enfeite:
Temos uma lei específica para lidar com casos de RACISMO, que é a 7.716/1989. Afinal, perder dinheiro, seguidores e patrocinadores é o mínimo. Racismo é crime! E deveria ser visto nessa perspectiva em vários momentos em que achamos que é só “questão de gosto” ou “opinião pessoal”, por isso, que fique bem pautado que temos uma LEI e ela deveria ser mais usada.

Julio Cocielo: tuíte que revelou a série de ataques racistas foi feito sobre desempenho do jogador francês (Foto: Reprodução)

Julio Cocielo: tuíte que revelou a série de ataques racistas foi feito sobre desempenho do jogador francês (Foto: Reprodução)