Pesca excessiva ameaça a sobrevivência do Pantanal e da Amazônia

Cientistas defendem que muitas florestas sul-americanas dependem de grandes peixes de água doce para dispersar sementes e garantir a biodiversidade.

Por Adam Popescu
Publicado 13 de jun. de 2018, 15:52 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
O Pantanal, a maior zona úmida do planeta, estende-se por Brasil, Bolívia e Paraguai. Suas florestas ...
O Pantanal, a maior zona úmida do planeta, estende-se por Brasil, Bolívia e Paraguai. Suas florestas inundam com frequência, fornecendo alimento para os peixes e outros animais aquáticos.
Foto de Carl de Souza, AFP, Getty

SE AS FLORESTAS da América do Sul são os pulmões do planeta, seus rios e pantanais são as veias e artérias. Sendo o continente mais diverso em termos de flora, parte disso é devido aos peixes que nadam em suas águas.

Peixes de água doce consomem aproximadamente 600 espécies de plantas neotropicais. Os maiores peixes que se alimentam de frutas no Pantanal do Brasil, planície inundável com mais de 180 mil quilômetros quadrados e com até 1,3 mil milímetros de chuvas por ano, são responsáveis de maneira desproporcional por dispersar sementes e expandir seus habitats.

Durante o verão abundante, as árvores adjacentes à zona úmida muitas vezes alagam, derrubando frutas que os peixes abocanham com felicidade, e que depois passam por seus excrementos. Os maiores peixes possuem os maiores estômagos, e o maior potencial para dispersão. Até 95% das espécies de plantas lenhosas em florestas tropicais são dispersadas desta maneira.

Um recente estudo na revista Biotropica mostra que, quando estes grandes peixes que se alimentam de frutas são eliminados de um ecossistema, os pescadores passam a capturar peixes menores, o que pode resultar em consequências drásticas para a dispersão e germinação de sementes. Em suma, peixes grandes excretam sementes inteiras enquanto peixes pequenos expelem sementes destruídas na mastigação. 63% das sementes contabilizadas nos estômagos de sardinhas, por exemplo, haviam sido destruídas durante a mastigação.

“Há 70 milhões de anos, já havia florestas na Amazônia e no Pantanal”, diz a coautora do estudo, Sandra Bibiana Correa, professora auxiliar no Departamento de Vida Selvagem, Pesca e Aquicultura da Universidade Estadual do Mississippi. “Isso significa que, durante 70 milhões de anos, esses peixes interagiram com as frutas e ajudaram as plantas a se diversificarem”.

O trabalho anterior de Correa no Pantanal e na Amazônia determinou que a pesca excessiva, que pode chegar a 90% para algumas espécies de peixes que se alimentam de frutas, prejudica o crescimento e regeneração das plantas.

Papel crítico

Espécies que se alimentam de frutas são responsáveis por dispersar até 95% das plantas tropicais, e peixes maiores consomem uma grande diversidade de sementes, o que amplia a germinação. Quando a fruta tem muita polpa ou está encharcada de água, é provável que a semente não seja danificada quando engolida. Bocas grandes também ajudam. “Ao quebrarem a semente, a probabilidade de germinação cai”.

“Imagine que você coma um tomate”, ela explica, “é muito improvável que você mastigue as sementes. O tamanho das sementes determina se elas serão quebradas. Peixes maiores conseguem engolir sementes inteiras, mas até os peixes menores também devoram regularmente sementes intactas”.

Veja como um rio inundou trilhas de caminhada no Pantanal
Este fenômeno aconteceu pelo menos três vezes nos últimos 16 anos, e as imagens são belíssimas.

Ao menos 150 espécies de peixes que se alimentam de frutas habitam os pantanais sul-americanos, incluindo uma subespécie colombiana de piranha, diz Correa. O amadurecimento dos frutos coincide com o alagamento anual, época em que os peixes passam até 87% de seu tempo nas planícies inundáveis. Quando a água retrocede, estas sementes fertilizadas são facilmente germinadas. Tratos digestivos longos retêm as sementes por mais tempo, permitindo a dispersão em amplas distâncias.


“Por mais de cinco quilômetros”, observa Raul Costa Pereira, coautor do estudo e biólogo doutorando da Universidade Estadual Paulista. Pereira diz que essa dispersão ampla é essencial para este pouco conhecido método de disseminação de florestas, fenômeno que não é exclusivo das Américas.

“O consumo de frutas pelos peixes já foi documentado em todo o mundo”, adiciona.

Na América do Sul, onde as zonas úmidas estendem-se por mais de 15% de todo o território, o relacionamento entre peixes e floresta foi primeiramente documentado no fim da década de 1970.

Um dos grandes agricultores é o pacu, um peixe da ordem dos caracídeos que pode viver até os 60 anos e pesar até 18 quilos. Com sua boca ampla (e dentes parecidos com os nossos), o pacu pode dispersar sementes de 27% mais plantas do que os peixes menores. Eles são também uma iguaria. E quando peixes grandes como o pacu são pescados excessivamente, a quantidade e diversidade da flora reduz drasticamente.

É um missão complicada regulamentar a pesca na Amazônia, já que a região faz fronteira com oito países. Assim, o bioma está sentindo muito os efeitos da pesca excessiva.
Foto de Lunae Parracho, Reuters

“A perda dos dispersores pode resultar em consequências mais graves que apenas o declínio de algumas espécies de árvores” confirma Daniel Wenny, biólogo sênior no Observatório de Aves da Baía de São Francisco, que já estudou a dispersão de sementes.

A maior consequência é o não crescimento de novas florestas.

Ameaça

O alagamento dura entre quatro e sete meses do ano, com níveis de águas que podem chegar a nove metros. Os peixes há muito dispersam até 90% das florestas inundadas, uma codependência que preocupa Correa. Com as barragens, pecuaristas e o desenvolvimento, “eles agora são responsáveis pela dispersão de apenas 30 a 40% das planícies inundáveis”.

Correa e seus colegas promovem a regulamentação da pesca de espécies pequenas e grandes. Isso significa estabelecer um conjunto de provas que determine a interação. Com 99% do Pantanal sendo de propriedade privada de fazendas, o gado que pasta na região abocanha toda a relva natural. Correa acredita que peixes menores da área possam navegar até as áreas mais rasas e colonizar novos territórios. Mas com os habitantes locais comendo os camarões com impunidade, “nós realmente não conhecemos o tamanho e estrutura da população de peixes menores”.

A regulamentação é difícil de impor na Amazônia, região fronteiriça com oito países, e no Pantanal, com ambos os lugares sentindo os efeitos da pesca excessiva. Quando os peixes não chegam mais a tamanhos maiores, as florestas também deixam de crescer. E quando os pecuaristas crescem e as barragens acabam com o alagamento cíclico, os peixes são banidos e as árvores começam a morrer, sem nenhuma maneira natural de regeneração.

“Dezenas de espécies de plantas estão sincronizadas com os alagamentos”, diz Correa. “Precisamos de legislação que proteja uma grande porção de terra. Não vai ser fácil”.

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