• Guilherme Felitti
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Watson_Jeopardy (Foto: Divulgação)

O Watson foi apresentado ao mundo com uma vitória brutal sobre humanos

Logo que as luzes se apagaram nos estúdios onde o Jeopardy estava sendo gravado em 2011, coroando o supercomputador Watson como vencedor de uma disputa contra os dois maios vencedores humanos do programa de TV, a IBM tinha uma certeza e uma dúvida. A certeza era que a companhia tinha em mãos uma tecnologia com potencial gigantesco. A dúvida era o que fazer exatamente com todo este potencial. Para explorar possíveis aplicações comerciais do Watson, a IBM adotou uma postura pouco comum a gigantes de tecnologia: o grupo responsável pelo supercomputador, com dezenas de pesquisadores, foi alocado em uma nova divisão em Austin, no Texas, a quase três mil quilômetros da sede da IBM, em Nova Iorque. O Watson se comportaria como uma startup para encontrar suas aplicações comerciais para “inovar, aprender e trabalhar rápido como qualquer startup”, explica John Gordon, vice-presidente do Watson Group.

Por quase dois anos, a startup dentro da IBM pensou em aplicações, ouviu pedidos de clientes e conduziu testes em áreas como medicina e atendimento. Com a evolução do seu hardware, a IBM fez o Watson rodar na nuvem, o que facilitava muito seu uso por empresas de todos os portes. No final de 2013, algo parecia claro: o Watson tinha deixado de ser uma promessa e se tornado uma tecnologia madura o suficiente para ser vendida. Mais que isto: o Watson era o primeiro exemplo de uma tendência que, aos olhos da IBM, transformaria toda a economia: a computação cognitiva. “Sistemas programáticos (como computadores normais) recebem um input e produzem um output, mas a gente não sabe o que aconteceu por trás das cortinas. Já sistemas cognitivos sempre explicam como chegaram à conclusão”, diz Gordon, em entrevista exclusiva à Época NEGÓCIOS. Em miúdos: a máquina raciocina e explica ao usuário o por quê da decisão.

Em janeiro, a CEO Ginni Rometty anunciou que a IBM criaria uma nova divisão, chamada IBM Watson Group, apenas para explorar comercialmente a tecnologia. Com sede em Nova Iorque e investimento de US$ 1 bilhão, a nova divisão terá mais de 2 mil funcionários e um fundo exclusivo para investir em startups com ideias interessantes e promover concursos entre desenvolvedores. “Não é todo dia que criamos uma divisão”, afirmou. Historicamente, a IBM só criou divisões quando viu uma oportunidade de negócio gigantesca. Foi assim com os mainframes na década de 60, com os computadores pessoais na década de 80 e com os serviços de TI nos anos 2000. Em sua época, cada uma destas divisões foi o pilar financeiro da IBM. O Watson ainda está longe desta posição. Em 2013, a IBM faturou cerca de US$ 100 milhões com o supercomputador, segundo o jornal The Wall Street Journal. Com a nova divisão, a empresa espera que, em dez anos, o Watson fature mais de US$ 10 bilhões por ano.

JohnGordon_IBM_Watson (Foto: Divulgação)

John Gordon, vice-presidente do IBM Watson Group

A primeira aplicação do Watson foi em centros de pesquisa contra o câncer. No segundo semestre do ano passado, bancos e operadoras de telecomunicações passaram a utilizar o Watson no atendimento ao consumidor. Segundo Gordon, este uso estará disponível em massa no final de março. Nos próximos meses, o grupo deverá passar a oferecer também serviços que exploram o poder do Watson em outras áreas, como turismo. Tantas outras aplicações deverão aparecer pelas mãos de desenvolvedores que farão parte do Watson Developer Cloud. Se a visão da IBM da computação cognitiva estiver certa, a empresa se coloca em uma posição confortável: ainda que Gordon preveja soluções rivais nos próximos anos, por enquanto o exemplo mais chamativo da área é o Watson.

Qual é o maior objetivo da IBM com a criação da divisão para Watson?
Achamos que o Watson e a computação cognitiva serão uma das inovações mais importantes na histórica secular da IBM. O Watson evoluiu de ser uma startup dentro da IBM para uma divisão de negócios independente. A IBM não cria divisões de negócios sempre. Foi feito com o nosso primeiro mainframe, o System36, com o PC quando começamos a produzir computadores e fazer isto com o Watson é um sinal que estamos tentando integrar todas as funções necessárias para ajudar a moldar e acelerar esta nova área da computação, a cognitiva. O grupo está se expandindo de algumas centenas de pessoas agora para mais de dois mil funcionários. Este grupo integra uma variedade de habilidades que ajudarão na aceleração da adoção. Por exemplo: integramos todos os pesquisadores trabalhando em computação cognitiva, ou como sistemas podem perceber, raciocinar, relacionar e aprender. Todas as tecnologias sendo pesquisadas ou inovações na área espalhadas pela IBM foram integradas em um único grupo para fazer com que a adoção deste tipo de computação aconteça em um ritmo muito mais rápido.

O que é a computação cognitiva?
Não é uma nova tecnologia, é uma nova era na computação. Vou dar um exemplo do mercado financeiro. Existe mais dinheiro não investido no mundo que sendo investido. Mas é difícil trazer esta quantia, distribuída em pequenas cifras de muitas pessoas, para investimentos. (Seria preciso) um conselheiro financeiro para cada uma delas. Se eu pudesse dar a elas melhores conselhos financeiros, isto as ajudaria, traria mais dinheiro ao mercado e permitiria companhias financeiras a expandir quanto têm sob gerenciamento. O desafio do Watson é pegar pessoas que optaram ficar fora de determinadas indústrias e tornar mais fácil que elas participem.

E esta hipótese significa que, além das instituições financeiras, a IBM vai ganhar muito dinheiro também...
Acho que isto vai criar uma nova indústria completa e nós veremos investidores que se beneficiarão do que suas criatividades lhes permite fazer. Achamos que o desenvolvimento de um ecossistema de aplicativos cognitivos pode ser tão grande ou maior do que a criação das primeiras aplicações online há mais de uma década.

Qual é a importância da Watson Developer Cloud nesta estratégia?
Nós poderíamos certamente manter a computação cognitiva e o trabalho que estamos fazendo como algo que apenas a IBM traria ao mercado. Mas, com nosso compromisso com empreendedores e clientes, ficou óbvio que existem tantas ótimas ideias de como usar a computação cognitiva que seria um freio manter (a tecnologia) só para nós. Queríamos abrir para inovadores, empreendedores e outros por que grandes soluções virão deste ecossistema de gente levando a computação cognitiva a novas fronteiras. Nós também separamos recursos para investir em companhias que estão avançando em computação cognitiva. Anunciamos o primeiro investimento em um parceiro chamado Welltok há 3 semanas. Eles produzem uma solução para melhorar estilo de vida e o bem estar de indivíduos chamada CafeWell. Eles estão integrando o Watson na tecnologia para ajudar na forma como as pessoas podem interagir e entender as informações sobre seu bem estar. Assim, eles podem viver vidas mais saudáveis e prósperas.

Quando a IBM notou que a tecnologia estava pronta para se tornar uma divisão completa?
Muitas coisas aconteceram para que a gente notasse que estávamos lidando com real. Primeiro, nós tínhamos feito a transição da tecnologia inicial por trás do Watson de algo bem poderoso e efetivo para sua proposta original (responder questões de conhecimento geral no Jeopardy) para algo que poderia ter escala como um serviço na nuvem. No final das contas, ele tinha que ter escala do ponto de vista de mercado. Segundo, nós demonstramos a habilidade da computação cognitiva de entrar com muita competência em diferentes áreas. Quando você volta ao episódio do Jeopardy, o sistema era muito poderoso e deu respostas razoavelmente curtas para questões razoavelmente curtas. Sabíamos que qualquer aplicação comercial do Watson seria muito mais complexa. Agora, o Watson pode entender perguntas muito mais longos. Por exemplo, todas as informações médicas de pacientes podem ter mais de 25 páginas. Estamos analisando perguntas muito mais complexas. Terceiro, vimos clientes e parceiros que a) estavam dando feedback muito positivo sobre o trabalho que fazíamos com eles e b) traziam muito mais ideias do que poderíamos entregar como uma startup. Como a tecnologia tem escala, como podemos lidar com questões críticas para negócios e já que vimos clientes dando feedback positivo e nos trazendo ideias incrementais, percebemos que o momento era ideal para investir nesta nova área de computação.

A nuvem é uma área chave para a IBM, mas está bem congestionada. Já o Watson quase não tem rivais. Quão relevante é esta nova divisão para o crescimento futuro da IBM?
A computação cognitiva vai ser um fator de crescimento para toda a indústria. Certamente, vemos uma possibilidade significativa de moldar e liderar este futuro e é por isto que estamos investindo US$ 1 bilhão e contratando mais de 2 mil pessoas. Será que algo benéfico não apenas para a IBM, mas também para o futuro da indústria na próxima década. O Watson representa o primeiro exemplo do que consideramos a computação cognitiva. Espero ver mais sistemas do tipo, tanto da IBM como de outras inovadores na indústria. Mas esta é uma área que veio para ficar.

watson_conselheiro (Foto: Divulgação)

Watson Engagement Advisor: um ajudante no atendimento ao consumidor

Desde o Jeopardy, quais foram os avanços técnicos do Watson?
Durante o Jeopardy, o Watson era um sistema composto por PowerSystems da IBM provavelmente do tamanho de um quarto grande. Desde então, este único sistema integrado que foi construído apenas para participar no Jeopardy evoluiu em um sistema que roda na nuvem, o que dá acesso a companhias e empreendedores de todos os tamanhos, de startup pequenas escalando para as funções mais críticas, agora o Watson pode se ajustar dinamicamente. É uma grande mudança desde suas origens. No final do ano passado, anunciamos um plataforma de desenvolvimento pra permitir que as pessoas construíssem soluções sobre o Watson e trouxemos um número de soluções para o mercado, como o Watson Engagement Advisor (acima). Todos estes são baseados na nuvem.

O Watson já vendo sendo usado na área médica há quase dois anos. Quais resultados vocês obtiveram até agora?
Entramos na área de saúde como nosso primeiro projeto por que achávamos que era significativo. Uma entre quatro pessoas nos Estados Unidos deverão ter câncer em algum momento da vida. A variedade de tratamentos de câncer é muito alta, com as misturas e potenciais formas de tratar o paciente. A pesquisa nesta área está crescendo em um ritmo astronômico. A quantidade de informações médicas dobra a cada cinco anos e continua crescendo. É praticamente impossível os médicos acompanharem. Parecida uma escolha perfeita. O Watson poderia ajudar a ler e dar sentido a esta quantidade de informações, permitindo que médicos se concentrem em seus pacientes e entendam todas as informações necessárias para tomar decisões. Fechamos parcerias com dois dos líderes absolutos centros de oncologia, o MD Anderson Cancer Center e o Memorial Sloan Cancer Center. Estamos trabalhando com seus médicos para ajudar o Watson a aprender… Na verdade,para entender o que o Watson deveria aprender, o que deve ler, no que deve se focar e, então, como se tornar um assistente efetivo para os médicos. Estamos tendo muitos avanços que vêm tendo impacto na forma como tratamentos são conduzidos.

Em termos práticos, o Watson já aprendeu o suficiente para já poder ser considerado um assistente?
Existem trabalhos iniciais acontecendo nestes dois lugares em diferentes níveis de testes. Com o Watson, os médicos podem ter nas pontas dos dedos informações que ajudam nas decisões sobre tratamentos, diminuindo a lista possível de tratamentos baseado nas informações. É um enabler para os médicos que podem não ter visto informações.

E a decisão final é sempre do médico?
Sim. O Watson é só um conselheiro. Ele nunca toma uma decisão. Sempre chamamos intencionalmente nossos serviços com o Watson de Advisors. Ele faz o trabalho sujo de processamento, análise e apresentação de informação. Na verdade, sistemas cognitivos sempre explicam por que chegaram a determinada resposta. Sistemas programáticos (como computadores normais) recebem um input e produzem um output, mas a gente não sabe o que aconteceu por trás das cortinas. Mas sistemas cognitivos sempre te dizem por quê chegaram à conclusão, aqui estão as evidências. Eles são muito mais transparentes. O médico não está observando só um resultado, eles ligam muito mais para o raciocínio.

Quais outras línguas o Watson deverá entender nos próximos meses?
Agora, começamos o grupo e estamos avaliando quais outras línguas o Watson pode aprender mais rapidamente. Teremos mais novidades sobre isto no final do ano.

A IBM está abrindo um laboratório do Watson em Nairobi, no Quênia. Podemos esperar outros laboratórios do tipo espalhados pelo mundo?
Absolutamente, na medida em que pensamos mais em outras línguas, outras soluções e damos poder a inovadores em outras geografias.

Um recente estudo de dois pesquisadores da Universidade de Oxford indica que quase metade das profissões têm grandes chances de serem assumidas por algoritmos e sistemas como o Watson até 2020. Vocês passam muito tempo pensando sobre isto?
Minha visão para o Watson é que ele impulsiona as pessoas para fazer coisas que não estavam fazendo. Isto envolve criar novos empregos do futuro e empoderar as pessoas. Por exemplo, anunciamos o Watson Analytcs e uma das suas funções permite analisar dados fazendo perguntas sobre. Se eu empodero um grupo na sociedade que nunca foi expert em estatísticas, mas que passa a trabalhar, entender e se relacionar com dados, o valor que elas podem ter para companhias e negócios é dramático. Estes empregos não existem hoje. Podemos criar uma economia totalmente nova empoderando o indivíduo.