• Flávio Picchi*
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praia ; areia ; mar  (Foto: Pexels)

(Foto: Pexels)

As férias de verão estão terminando, e eu, como muitos, fiz o que há de melhor nessa época: passar alguns dias na praia. Mas como nunca conseguimos nos desligar totalmente, peguei-me observando, com os olhos da gestão, um vendedor de praia.

No caso, era um vendedor de queijo coalho no palito, assado na brasa ali na hora, que me chamou a atenção por demonstrar, de forma muito evidente, o foco no cliente.

Ele se esmerava para atender o seu comprador. Fazia de tudo que estava ao seu alcance para agradar a quem se dispunha a consumir o seu queijo.

“Com orégano ou sem? Gosta queimadinho na beirada? No palito ou cortadinho? Quer que eu volte amanhã no mesmo horário?”, e assim por diante. E na hora de pagar: “aceito todos os cartões”, exibia orgulhoso sua maquininha.

Ao observar a cena, comecei a pensar o porquê de tanto zelo do vendedor pelo comprador. E a resposta é óbvia.

Dono do próprio negócio, “acumulando cargos” de produtor, comprador, distribuidor, divulgador etc., esse bom vendedor ambulante está cotidianamente em contato direto com o consumidor. Até na propaganda ele inova, chamando atenção com seus gritos: “queijo ‘cuáio’, pão de ‘áio’”.

Assim, ele sabe, mais do que ninguém, que se não agradar o cliente, se não o encantar, ele simplesmente não compra, ou não volta a comprar.

Em outras palavras, o vendedor ambulante dessa minha história sabe, mesmo inconscientemente, que precisa a todo momento “agregar valor”, o máximo possível, ao seu cliente. Se não, o negócio não vai para frente.

E ele só percebe isso porque está ali, no dia a dia, em contato “direto” com o consumidor, vendo-o, ouvindo-o, sentindo-o... E é disso que depende a sobrevivência do seu negócio.

Na mesma praia, à noite, tive um exemplo inverso: fui a um restaurante, com ares de “sofisticação”. Na hora de pagar, a surpresa: aceitavam só cartão de débito. Como eu estava somente com meu cartão de crédito, quase pensei que ia ter de lavar pratos, mas ao final, após uma desagradável discussão com o gerente, consegui fazer uma transferência pelo celular.

Os vendedores de picolé, côco, queijo coalho etc. aceitam todos os cartões na praia, mas o restaurante “sofisticado” não. Não me pergunte o porquê. Provavelmente por uma mesquinha otimização de fluxo de caixa. Zero foco no cliente.

Comecei, então, a refletir sobre muitas empresas que por diversos motivos perdem essa capacidade fundamental: a de colocar o cliente sempre em primeiro lugar.

Por se tornarem grandes demais, por adotarem processos que são cada vez mais burocráticos, por se tornarem arrogantes, por se acharem boas demais... enfim, por diversos motivos, muitas companhias e seus gestores acabam se distanciando dos clientes.

Elas perdem o contato cotidiano com eles. Não os conhecem mais profundamente. Os clientes tornam-se “números” numa planilha. E aí, na maior parte das vezes, a agregação de valor vai perdendo a força. A empresa começa a atender mal, a acumular reclamações, e com isso, muitas vezes o negócio começa a declinar.

Trata-se, essencialmente, de uma visão de gestão.

Sabemos que na gestão tradicional, perder o cliente de vista é uma das coisas mais comuns de se acontecer. Simplesmente porque a gestão tradicional não tem como fundamento básico se aprofundar no que é valor para o cliente, no que ele está realmente disposto a pagar.

Na gestão tradicional, a essência é “produzir” o máximo possível, ao menor custo que se consiga, visando aumentar vendas e maximizar lucros. Dessa forma, na ânsia de produzir mais e mais, os gestores muitas vezes buscam o que é mais fácil para a empresa e perdem o ponto de vista de quem mais importa, o cliente.

Já na gestão lean, a mentalidade é o inverso. Produzir é fundamental, claro. Porém mais importante é “como” produzir. Uma das bases desse modelo de gestão é a necessidade cotidiana e constante de produzir agregando valor ao produto ou serviço, mas sempre do ponto de vista do cliente. Assim, o gestor precisa ver seu negócio pelos olhos dele. E só se consegue isso de verdade estando o mais próximo possível de quem compra, conhecendo sua experiência com o produto ou serviço.

Talvez sem saber, esse vendedor ambulante de queijo coalho que observei na praia é um gestor dos mais modernos. Há muitos gestores de empresas por aí que poderiam aprender muito com ele. Para se lembrarem que a única forma de uma empresa ter sucesso é fazer tudo que for possível para entender e satisfazer seus clientes.

*Flávio Picchi é presidente do Lean Institute Brasil e Prof. Dr. da Unicamp

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