Longevidade: modo de usar

Por Mariza Tavares — Rio de Janeiro


Li “A arte e a ciência de memorizar tudo – memórias de um campeão de memórias”, do jornalista americano Joshua Foer, e fiquei animada ao saber que ele, como eu, era capaz de esquecer os óculos e as chaves de casa com frequência alarmante. Quando fez a cobertura de um Campeonato Americano de Memória, sua vida mudou. Aliás, sua memória também. Foer passou um ano treinando 20 minutos por dia e acabou vencendo o concurso do ano seguinte. O que ele conta no livro é que esses campeões não têm uma memória extraordinária, mas usam técnicas que auxiliam a memorização. Além disso, utilizam outras partes do cérebro, como a memória espacial e de navegação, para criar a chamada codificação elaborativa. Trocando em miúdos: você escolhe imagens que ajudem a reter e localizar as informações que parecem perdidas na sua mente. A técnica, atribuída a Simônides, poeta da Grécia Antiga, tem 2.500 anos e é conhecida como o Palácio da Memória. Simônides se apresentaria num banquete, mas saiu do recinto momentos antes de o teto desabar e matar todos os que estavam ali. O poeta se concentrou para visualizar o ambiente antes da tragédia e pôde reconstituir a cena, apontando onde cada convidado estava, de forma que os parentes puderam resgatar os mortos, cujos corpos estavam desfigurados. A ideia é utilizar um lugar (de preferência conhecido, podendo ser inclusive sua casa) e povoá-la de imagens – as mais bizarras possíveis, para virem logo à cabeça. Com elas, você criará um percurso que será, na verdade, o passo a passo do que deve ser lembrado: de uma lista de compras aos tópicos de uma apresentação.

Joshua Foer, autor de “A arte e a ciência de memorizar tudo – memórias de um campeão de memórias” — Foto: Divulgação

Foer lembra que, na Antiguidade e na Idade Média, treinar a memória era considerado um atributo para fortalecer o caráter: somente através da memorização seria possível incorporar as ideias e absorver os valores. “No mundo contemporâneo”, diz ele, “nossa memória é toda externa e isso se exacerbou nos últimos anos. O exercício tornaria nosso cérebro mais ágil, mas não precisamos mais treiná-lo”. Nelson Dellis, quatro vezes vencedor do Campeonato Americano de Memória, concorda e já afirmou em diversas entrevistas: “todos temos uma boa memória, o problema é que ninguém nos ensina a usá-la”. E o que podemos fazer para ficarmos mais afiados? Em primeiro lugar, tornar as coisas mais excitantes e divertidas, para que sejam memoráveis, já que estamos condicionados a reter apenas o extraordinário. Eu, por exemplo, sempre esquecia o nome (Michael) do namorado de uma amiga, mas resolvi o problema associando a figura dele à do cantor Michael Jackson, embora não fossem minimamente parecidos.

A utilização de símbolos esdrúxulos ajuda porque a bizarrice é a isca que fisga a atenção do cérebro. Quer brincar um pouco? Se você tem que mandar um e-mail para o gerente do banco, comprar um presente para um amigo que faz aniversário e marcar uma visita do encanador, ponha a imaginação para funcionar e crie uma historinha bem maluca: pense no gerente como um bilionário que está entre os cinco homens mais ricos do planeta; ele vai dar uma festa para celebridades de Hollywood, mas um convidado trapalhão – o inesquecível Peter Sellers! – inunda a mansão do magnata. Você juntou três elementos: dinheiro (gerente), festa (presente) e inundação (encanador). Pode ser divertido! Há sites como o Memocamp ou o Art of Memory, criado pelo próprio Dellis, além de opções em português que aparecem numa simples busca na internet. No dia a dia, ponha o cérebro para “malhar” mesmo em atividades simples: faça a lista do supermercado mas não a consulte, para ver se comprou tudo o que estava na relação; assista a um filme e conte toda a história para alguém ou para si mesmo, na falta de um par de ouvidos atentos; feche os olhos e tente se lembrar de todos os objetos que estão no banheiro. Prestar atenção é o primeiro passo – o que, nessa era de imediatismo e volatilidade, é uma façanha.

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