• Marisa Adán Gil
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Alexa Clay tem formação em história, filosofia e escrita criativa, é fundadora da incubadora Wisdom Hackers e do coletivo The Human Agency (Foto: Divulgação)

Alexa Clay tem formação em história, filosofia e escrita criativa, é fundadora da incubadora Wisdom Hackers e do coletivo The Human Agency (Foto: Divulgação)

“As pessoas que operam à margem da sociedade apresentam uma dose de humanidade e de engenhosidade que não se vê mais no mundo dos negócios”, diz Alexa Clay, 33 anos, autora do best-seller A Economia dos Desajustados (The Misfit Economy), em parceria com Kyra Maya Phillips.

O livro provocou reações fortes no mundo dos negócios ao defender que gângsters e hackers têm lições valiosas a ensinar aos empreendedores. Para a autora, os desajustados entendem tudo de inovação. “O ambiente corporativo, cheio de regras, não é um terreno fértil para a criatividade. Os outsiders desafiam a cultura dominante, e daí as chances do novo surgir são bem maiores”, diz.

Recentemente, ela lançou o livro Neotribes Cookbook. Nele, Alexa mostra o que as startups podem aprender com as comunidades utópicas e hippies que crescem em diferentes partes do planeta. 

PEGN conversou com a empreendedora. Leia os melhores momentos: 

O que os desajustados têm a ensinar para os empreendedores?
Nas minhas pesquisas, eu descobri que as pessoas que operam à margem da sociedade, como os hackers, os traficantes ou os piratas, apresentam uma dose de humanidade e de engenhosidade que não se vê mais no mundo dos negócios. Como eles têm uma empatia real com seus colegas ou seguidores, isso faz com que tenham facilidade para engajar as pessoas. E, como os grupos quase sempre têm uma história de vida juntos, o trabalho flui de uma maneira mais transparente. Quer dizer, eu me sinto muito mais à vontade no meio de um grupo de hackers do que em uma reunião com executivos. Na última vez que participei de um encontro corporativo, levei um tempão me preparando, porque sabia que tinha de me vestir de uma certa forma, me comportar de uma certa forma. Como qualquer tipo de inovação pode nascer em um ambiente assim? Não existe hoje nas empresas espaço para quem quer exercer a criatividade e a ousadia. Pessoas com ideias disruptivas são ignoradas ou rejeitadas. O mundo corporativo não sabe como lidar com elas.

Por que decidiu falar de outsiders?
Comecei a me interessar por misfits quando trabalhava na Ashoka [Alexa foi diretora de nova economia da instituição entre 2012 e 2013], organização dedicada ao empreendedorismo social. Percebi que, em muitos países, a economia informal corresponde a mais de 70% da atividade econômica. Juntando esses outsiders, temos uma receita de cerca de US$ 10 trilhões. De certa maneira, eles não estão mais à margem: eles são o mainstream. Precisamos ajudar esses desajustados para que possam desenvolver seu potencial e colaborar para resolver alguns dos principais problemas da sociedade. Existe um grau altíssimo de inovação nesses grupos. Eles são talentosos e determinados. Mas, sem apoio, essa criatividade pode ir para o lado errado.

Você já disse que os desajustados estão mais abertos ao risco do que as startups do Vale do Silício.
Os empreendedores do Vale falam muito em correr riscos. Mas a maioria deles tem recursos para se manter, caso algo dê errado. Se a primeira startup fechar, ele simplesmente vai abrir outra. O fracasso é até mesmo celebrado, como um passo importante em direção à vitória. Mas o traficante, o hacker ou o ex-presidiário estão realmente dispostos a arriscar tudo. Se algo der errado, eles podem perder a liberdade, o amigo e até mesmo a própria vida. Existe uma grande diferença. Para mim, o maior problema é que alguns donos de startups acham que estão mudando o mundo, mas as suas soluções resolvem apenas problemas de pessoas privilegiadas. E tantos recursos são investidos nessas empresas, quando poderiam contribuir com propostas realmente inovadoras.

Um dos trechos mais polêmicos do livro questiona a noção de patente e propriedade intelectual.
Não acho que a patente deva desaparecer, é uma maneira importante de comunicar uma ideia para o mundo. Mas acredito que o conceito do que é individual e do que é coletivo está mudando. O Brasil já assumiu atitudes exemplares nesse sentido, ao quebrar a patente de remédios contra a aids, por exemplo. Hoje, muitos empreendedores adotam o open sourcing, porque entendem que a execução é muito mais importante do que a ideia. No livro, não defendo as atividades dos hackers. Mas há algo corajoso no modo como desafiam o conceito de propriedade.

Em seu livro, você diz que é possível “despertar o outsider dentro de você”. Como se faz isso?
Todos temos um lado outsider. Mas, muitas vezes, deixamos isso de lado, porque achamos que devemos fingir e assumir o papel que nos cabe na sociedade. Esse fingimento pode ser muito desgastante. Em vez disso, encorajo as pessoas a fazer uma autoavaliação e identificar o que as torna únicas. E daí usar isso a seu favor, adotando uma atitude mais provocadora.

O novo livro, Neotribes Cookbook, é uma extensão do anterior?
Existe uma relação entre os dois livros, já que ambos tratam de pessoas que querem mudar as noções preconcebidas da economia e da sociedade. Dessa vez, quero demonstrar como as comunidades utópicas podem ajudar as startups. Hoje, essas comunidades alternativas estão se multiplicando pelo mundo, da mesma maneira que aconteceu nos anos 1970, como uma opção ao momento sombrio. Visitei comunidades ao redor do mundo e percebi que existe uma semelhança muito grande entre elas e as startups. Aquelas que perduram são as que conseguem superar os mesmos problemas das empresas de tecnologia: conflito sobre uso de recursos, falta de mediação, brigas entre gestores ambiciosos, mas sem experiência. No meu livro, mostro quais são os ensinamentos das neo­tribes que contribuem para a longevidade das startups.