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Escuridão e caos tecnológico: Brasil poderia se proteger de ataque nuclear?

30 out. 1971 - Explosão nuclear no Arquipélago de Tuamotu, no Atol de Mururoa, na Polinésia Francesa - Michel Baret/Gamma-Rapho via Getty Images
30 out. 1971 - Explosão nuclear no Arquipélago de Tuamotu, no Atol de Mururoa, na Polinésia Francesa Imagem: Michel Baret/Gamma-Rapho via Getty Images

Nathalia Lino

Colaboração para o UOL

23/10/2022 04h00Atualizada em 24/10/2022 10h14

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, voltou a falar em armas nucleares em meio à invasão da Ucrânia, o que colocou o mundo em estado de alerta. Joe Biden, presidente dos Estados Unidos, considerou as ameaças um sinal de que a Terra está mais perto de um "Armagedon" do que em qualquer momento desde a crise dos mísseis de Cuba, durante a Guerra Fria.

É pouco provável que o confronto nuclear de fato aconteça, mas, se houver, pode resultar em uma catástrofe sem precedentes dependendo do tipo de armamento utilizado e da frequência. E até o Brasil, distante do leste europeu, sofreria as consequências.

Segundo especialistas, chegariam até aqui os efeitos secundários das explosões. Mas, com armas nucleares superpotentes, até mesmo os impactos indiretos poderiam levar a uma catástrofe.

A explosão de armas nucleares potentes em grande quantidade seria capaz de jogar um alto volume de poeira, fuligem e partículas na atmosfera.

Isso bloquearia a luz do sol por uma quantidade de tempo suficiente para que algumas plantas morram. Além disso, um ataque do tipo pode levar ao esfriamento da superfície da Terra devido à falta de luz — o que causaria impactos também no Brasil.

Em caso de intervenção dos Estados Unidos em um eventual ataque nuclear da Rússia, as consequências podem ser ainda mais catastróficas.

Guilherme Bruneri, físico e mestrando em Física de Partículas pelo ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), explica que as armas nucleares dos dois países são mais potentes do que as lançadas em Hiroshima e Nagasaki no fim da Segunda Guerra Mundial. As explosões atômicas nas cidades japonesas mataram instantaneamente 150 mil pessoas.

"Tanto a Rússia quanto os EUA hoje possuem em seu arsenal bombas termonucleares, ou bomba de hidrogênio, que são mais poderosas do que as bombas nucleares lançadas no fim da Segunda Guerra Mundial. A principal diferença entre os dois tipos de bombas é o princípio físico utilizado para extrair a energia atômica", diz ele.

"Uma possível guerra nuclear hoje poderia levar a humanidade quase à extinção considerando que apenas os países do hemisfério norte fossem atingidos", afirma Bruneri.

Bombas da potência da Tsar, que já foram testadas pela Rússia, têm energia equivalente a cerca de 57 milhões de toneladas de TNT e são 3 mil vezes mais potentes do que a bomba de Hiroshima.

"Mas as consequências secundárias seriam os problemas realmente decisivos. Um deles é o bloqueio da luz do sol por fuligem devido à força das explosões, prejudicando a produção de alimentos."

Ele também cita o risco de contaminação em larga escala por radiação, além da perda de equipamentos tecnológicos por interferência radioativa.

"Todos esses processos são conhecidos como holocausto nuclear."

Segundo ele, o bloqueio da luz solar poderia causar uma queda brusca de temperatura: simulações mostram que a temperatura poderia cair até 20ºC em algumas regiões. "Apenas isso bastaria para afetar plantações e colheitas mais sensíveis a variações climáticas", explica o físico.

Já a camada de ozônio no hemisfério norte poderia ser parcialmente destruída, o que tornaria a luz solar perigosa, causando queimaduras e aumento de câncer de pele.

internacional - Divulgação/Governo da Ucrânia - Divulgação/Governo da Ucrânia
09.out.22 - Bombardeio contra prédio residencial em Zaporizhzhia, no sudeste da Ucrânia
Imagem: Divulgação/Governo da Ucrânia

Fome e escassez

Essas consequências dependem, claro, do tamanho e potência do arsenal usado. E, mesmo que não ocorra uma destruição ampla do planeta, o uso de armamentos desse tipo também pode desestabilizar as relações entre os países e provocar consequências no comércio e acesso a alimentos.

Para o advogado Renato Dellova, presidente da Comissão de Relações Internacionais da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) em Campinas e professor de direito da USF (Universidade de São Francisco), o Brasil sofreria o aumento da inflação de produtos como grãos e a escassez de importados.

Ucrânia, Rússia e Brasil estão entre os maiores produtores de milho do mundo. Com a produção e transportes afetados por uma guerra nuclear, a exportação de milho do Brasil poderia aumentar, mas dificilmente isso aconteceria sem diminuir a oferta do grão em território nacional.

"Isso afetaria o abastecimento, tornando mais caro o consumo de carnes, por exemplo, já que os animais têm como fonte principal o milho. Também subiria o preço dos combustíveis, que o Brasil importa, causando impacto no transporte dos grãos", explica Dellova.

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Fome: num cenário de guerra nuclear, haveria escassez de alimentos
Imagem: GETTY IMAGES

"Todo esse tipo de conflito provoca um choque no comércio, na cadeia de destruição do mundo. Abalaria o comércio mundial de maneiras não tão previsíveis. Isso sem contar o risco de contaminação dos produtos por armamentos desse modelo", complementa o cientista político da faculdade de Ciências Sociais da PUC Campinas, Vitor Barletta Machado.